sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Muitas vezes a felicidade depende de um já-chega - Raul Minh'Alma

"Dizem que as duas palavras mais difíceis de dizer são desculpa e obrigado, mas há outro concorrente de peso, já-chega. Já-chega de lutar, já-chega de insistir, já-chega de tentar. para se dizer desculpa e obrigado são necessárias uma bondade e uma humildade enorme, mas para se dizer já-chega é necessária uma coragem do tamanho do mundo. E falta-nos muito mais vezes essa coragem de dizer que está mal, que não aceitamos viver assim, que não queremos isto para nós. Falta-nos tantas vezes essa capacidade de dizer não, acabou ou já-chega. Palavras como estas são barreiras silenciosas que nos separam da felicidade. Barreiras construídas pelo nosso medo genuíno de ficarmos sozinhos, de perdermos a pessoa que nos ama, mas que não nos ama na mesma medida, ou pior, que nunca nos amou ou tentou sequer. Deixamo-nos ficar porque amamos, em vez de irmos embora porque não somos amados. Acaba mais por pensar no amar do que ser amado quando na verdade ambos pensam, ou deviam pensar, o mesmo na nossa vida. Se não amamos não devemos ficar, se não somos amados não podemos ficar. Ou os dois, em igual medida, ou nenhum, em que medida for. E é o amor pelo outro que nos prende na garganta aquele já-chega quase sempre libertador, quase sempre salvador. Mas uma vez deixamos a balança em desequilíbrio com o amor o amor que temos por alguém a pesar mais nas nossas decisões do que o amor que temos por nós mesmos. E acaba,os por continuar onde já não temos lugar como de se alguma forma isso fosse felicidade. Não é, nunca será, nunca poderá ser. A felicidade não se alimenta de pensamentos como mais vale pouco do que nada, melhor muitos cincos que poucos dez ou migalhas é pão. Ela alcança-se quando o coração está mais do que cheio, quando transborda cumplicidade de coisas boas que vamos agarrando e segurando. A felicidade exige a totalidade porque para ela quase cheio é o mesmo que vazio. Enquanto nos contentamos com migalhas, por acreditarmos que é melhor do que nada, nunca teremos o pão inteiro. Já-chega de bocadinhos, de restos, de quases e meias coisas que vamos aceitando e que fazem de nós seres constantemente incompletos e insaciados. Não é prepotência exigir que tudo seja absoluto. Nem é falta de humildade recusar um pouco quando não pode ser um todo. Porque antes de tudo isso nós sabemos o nosso valor  e temos o nosso orgulho. Que ainda é aquilo que nos define, que ainda é e será sempre o nosso porto seguro e tudo o que  nos restará quando tudo o resto nos faltar. Quando abdicamos do nosso orgulho e dos nosso valores, estamos a permitir que vivam por nós, que sejam por nós aquilo que nos revelamos incapazes de ser, Nesse momento não seremos mais do que brinquedos nas mãos de egos gigantes e mimados disfarçados de pessoas que nos amam e que só querem o nosso bem. Encha-se o peito de coragem e diga-se do fundo da lama já-chega deter à nossa beira pessoas que nada nos acrescentam e que só servem para dizer eu bem te avisei quando, para seu rejubilo, nos veem cair. Já-chega de mendigar por afetos da exata mesma pessoa que diz que nos ama, mas que, no entanto, não demonstra nada, quiçá por preguiça ou, por outras palavras, falta de amor. E como estas tantas outras coisas que já andam a pedir, com jeitinho, um fim há muito tempo. Lá ao longe a felicidade aguarda sentada por esse fim, por esse afastamento de tudo e de todos que falta nenhuma nos fazem para ter finalmente condições de se aproximar. Ela é mesmo assim, quando vê algo ou alguém desagradável e desnecessário perto de nós até nos evita."